Uma em cada dez espécies do mundo vive na Amazônia.
Mas um aumento do desmatamento nos últimos anos está empurrando a floresta tropical para mais perto de um ponto de não retorno (tipping point). Depois dele, a floresta perderá a capacidade de gerar chuvas, transformando-se gradualmente em uma savana seca. Aumentando o problema, todo ano, agricultores limpam vastas extensões da vegetação e colocam fogo na terra para prepará-la para novas culturas.
E à medida que as condições se tornam mais secas e quentes, estes incêndios estão se tornando mais severos - queimando habitats que sustentam a vasta biodiversidade da Amazônia.
Pela primeira vez, cientistas quantificaram o impacto que estes incêndios tiveram sobre os animais e plantas na Amazônia durante as duas últimas décadas. De acordo com o novo estudo, publicado na revista Nature, as espéciesiodiversidade estão sofrendo - mas ainda há tempo para protegê-las.
Em entrevista à Conservation News, Patrick Roehrdanz, cientista da Conservation International e coautor do estudo, discutiu a ligação entre desmatamento e incêndios, a importância da flora e da fauna da Amazônia, e as estratégias que poderiam ajudar a conservá-las.
Pergunta: Quais foram as principais conclusões de sua pesquisa?
Resposta: Descobrimos que, embora a frequência dos incêndios tenha variado nos últimos 20 anos devido à seca e ao desmatamento, estes incêndios tiveram um efeito cumulativo devastador sobre a biodiversidade na Amazônia. Usando dados de detecção remota e imagens de satélite, estudamos o impacto dos incêndios e do desmatamento em mais de 11.000 espécies de plantas e 3.000 espécies de vertebrados. Descobrimos que mais de 10,3 milhões de hectares (25,4 milhões de acres) de floresta tropical amazônica foram degradados pelos incêndios desde 2001, afetando os habitats de mais de 77% de todas as espécies ameaçadas nesta região, incluindo macacos bugio, tamanduás gigantes e aves jacu-cigano - uma espécie única, que nasce com garras em suas asas.
Em curto prazo, os incêndios destroem árvores e plantas que são essenciais para uma floresta tropical em funcionamento, ao mesmo tempo em que potencialmente levam a extinções locais. E há impactos a longo prazo que podem surgir quando os incêndios diminuem: As terras queimadas impedem o crescimento natural da floresta, e o desmatamento da floresta facilita a propagação de espécies invasoras.
P: Por que a biodiversidade da Amazônia é tão importante?
R: A Amazônia é o ecossistema mais biodiverso do planeta. Muitas espécies são nativas apenas desta região e proporcionam uma variedade de benefícios para a humanidade. Por exemplo, certas plantas são utilizadas em medicamentos tradicionais e têm apoiado o desenvolvimento de produtos farmacêuticos utilizados no tratamento da diabetes tipo II e do mal de Alzheimer, entre outras doenças. A vida selvagem nesta região apoia a subsistência e a segurança alimentar das comunidades locais. Árvores e plantas também desempenham um papel crucial na absorção de emissões de carbono, com as florestas armazenando milhões de toneladas de carbono a cada ano. Mas isto pode mudar se o desmatamento e os incêndios continuarem em seu ritmo atual.
P: Qual é a relação entre incêndios, desmatamento e mudança climática?
R: Os incêndios não fazem parte do ecossistema amazônico. Eles são muitas vezes ateados por pessoas para expandir fazendas de soja ou de gado. Se um número considerável de árvores for perdido, a floresta pode perder sua capacidade de gerar chuvas - tornando a região mais seca e com maior probabilidade de pegar fogo. Nossos dados mostram que os impactos cumulativos estão aumentando para cada espécie amazônica, desestabilizando ainda mais a ecologia na região.
O desmatamento também libera emissões de carbono, o que pode alimentar as mudanças climáticas. Essas mudanças estão provocando condições ainda mais quentes e secas na Amazônia. É essencialmente um grande ciclo que se repete.
P: Então, como interromper esse ciclo e proteger a biodiversidade amazônica?
R: Uma vez que a maioria dos incêndios na Amazônia são intencionalmente ateados por pessoas, evitá-los está em grande parte sob nosso controle. Uma maneira de fazer isso é se comprometendo novamente com fortes políticas contra o desmatamento no Brasil, combinadas com incentivos para proteger a floresta - e replicando essas políticas em outros países amazônicos. As políticas para proteger a biodiversidade amazônica devem incluir o reconhecimento formal das terras indígenas, que abrangem mais de um terço da região amazônica. De modo geral, as terras que pertencem, são utilizadas ou ocupadas pelos povos indígenas mostram menos redução de espécies e poluição, e têm recursos naturais mais bem administrados, mostram as pesquisas.
Também é possível restaurar algumas das áreas da Amazônia que foram degradadas e construir novos habitats para as espécies. Por exemplo, na região do Xingu, no norte do Brasil, agricultores estão trabalhando com comunidades locais para restaurar suas florestas através de uma técnica tradicional de restauração chamada "muvuca", na qual eles semeiam uma grande e variada mistura de sementes que produzem plantas nativas da área, como o caju e o açaí. Com o apoio da Conservação Internacional, estas comunidades já plantaram sementes suficientes para produzir mais de 1,8 milhões de árvores, o que teve uma série de impactos positivos na região, desde uma melhor qualidade de água até florestas nativas mais diversificadas.
Kiley Price é redatora e editora de notícias da Conservation International.