Originado de um mercado de peixes e animais vivos na China, o COVID-19 se espalhou pelo mundo na velocidade da luz, infectando mais de 1.3 milhão pessoas e matando mais de 75 mil até o momento.
Muitos países estão tomando medidas drásticas para impedir o lastro de contaminação do vírus, desde quarentena em cidades inteiras até a paralisação temporária de negócios locais.
Mas como países vão se prevenir de futuros surtos?
O primeiro passo: Proteger a natureza, diz Lee Hannah, cientista especializado em mudanças do Clima da Conservação Internacional e especialista mundialmente renomado em ecologia, que é o estudo das interações dos humanos com a natureza.
A Conservação Internacional conversou com Hannah sobre como dar espaço à natureza pode ajudar a frear futuros surtos de doenças.
Pergunta: O que a natureza tem a ver com a disseminação de doenças?
Resposta: Humanos estão trocando doenças com o mundo selvagem desde que domesticaram animais selvagens (o que aconteceu há muito tempo). De fato, a maioria das doenças humanas são originadas de animais: a gripe vem de porcos e aves, a tuberculose é originária dos bovinos, a Ebola veio de chimpazés ou morcegos.
Ecossistemas da natureza funcionam como o corpo humano: quando eles são robustos e saudáveis – o que significa que diversas espécies têm espaços para uma existência saudável – são mais resistentes à doença. Fazer esses ecossistemas prosperarem demanda uma variedade de benefícios ligados à humanidade, da água fresca até alimento para um solo fértil.
Contudo, quando atividades humanas como o desmatamento ou a mineração rompem a normalidade e degradam esses ecossistemas, animais são forçados a se aproximar, ficam mais propensos a se estressar e ficarem doentes, assim como entram mais em contato com pessoas. Nessas condições, doenças transitam entre populações de animais selvagens e seres humanos.
De forma perturbadora, pesquisas projetam que doenças de origem animal vão se tornar cada vez mais frequentes devido à rápida destruição da natureza.
P: Como a relação da humanidade com a natureza impacta nessas pandemias?
R: A questão mais abrangente e direta é o comércio global de vida selvagem. Esse comércio coloca espécies em contato com outras espécies – e outras doenças – que eles nunca teriam encontrado naturalmente no mundo selvagem.
Por exemplo, a linhagem do COVID-19 passou de um morcego ou um pangolim e pode ter pulado para outras espécies antes de ser possível infectar um humano, é por isso que mercados que comercializam várias espécies exóticas em apenas um lugar são fontes perfeitas para doenças zoonóticas raras. Doenças tropicais tendem a se incubar mais em animais do que as doenças temperadas. Logo, enjaular espécies tropicais e colocá-las em contato com pessoas em um mercado com outros animais selvagens é flertar com o desastre. Esse câmbio de animais selvagens e partes de animais selvagens é também devastador para a natureza, uma vez que dizima outras populações, como elefantes e rinocerontes, e torna o cenário de saúde do respectivo ecossistema mais crítico.
Em cima disso, as áreas de desmatamento se expandiram pelo mundo, capitaneadas pela agricultura em larga escala e pela mineração. Não apenas isso causa mais estresse nos habitats selvagens, mas pode acelerar as mudanças climáticas– o que também pode impactar a propagação de doenças.
P: Que tipo de impacto?
R: De mudança na migração de aves até o seu café matinal, as mudanças climáticas complicam basicamente tudo. Sob uma perspectiva da saúde pública, a crise climática está piorando a propagação de certas doenças e complicando os esforços de combater outras. A sazonalidade e o clima são dois dos principais fatores que controlam a taxa na qual vírus, como a gripe, infectam seres humanos. Apesar dos cientistas estarem atualmente incertos quanto à relação real entre o colapso climático e a propagação do COVID-19, estudos preveem que aumentar as temperaturas globais irá alterar o tempo, distribuição e severidade dos surtos de doenças.
Por exemplo, minha pesquisa mostra que espécies de animais estão se movendo em direção ao polo Norte e ao polo Sul, subindo montanhas para escapar do calor do aquecimento global. Assim como nós não queremos pessoas indo a habitats naturais de animais selvagens, com o risco de se expor a vírus, não queremos que os habitats de animais se movam para perto do contato com os humanos e seus projetos de desenvolvimento. Para prevenir isso, precisamos trabalhar juntos no combate ao colapso climático e dar à natureza o espaço necessário para se adaptar naturalmente a impactos que não podemos prever.
P: Então os países podem ajudar a frear surtos de doenças futuras protegendo a natureza?
R: Isso mesmo. Em breve, líderes mundiais se reúnem na Conferência entre as Partes (COP) para a Convenção da Diversidade Biológica, onde será desenvolvido um mapa que guiará os esforços pela conservação da natureza nos próximos 10 anos – o período em que precisamos desacelerar o aquecimento global, proteger nossos ecossistemas e salvar espécies ameaçadas. Nas condições atuais, mais de um milhão estão em risco de extinção devido às atividades humanas. Logo, são imprescindíveis que existam metas ambiciosas – mas justas – para a conservação a vida selvagem do risco de extinção, protegendo a natureza.
P: Quais são essa metas?
R: Nossa pesquisa mostra que proteger 30% das terras tropicais pode ajudar a tirar espécies do risco de extinção pela metade, enquanto desacelera o colapso climático. Há um conjunto de ferramentas possíveis de conservação que governos podem implementar para proteger a biodiversidade enquanto se beneficiam da terra, incluindo a proteção de áreas, parques nacionais, unidades de conservação comunitárias ou geridas por indígenas. Precisamos tomar conta da natureza para que ela tome conta de nós mesmos.
No entanto, estabelecer essas áreas é só o começo. Mantê-las intactas e apoiá-las é crucial para a conservação da natureza e a prevenção do contato entre humanos e espécies selvagens. Outra medida que os países devem tomar para proteger a natureza e conter surtos de doenças zoonóticas seria encerrando permanentemente o comércio global de vida selvagem. Devido a suas implicações culturais em muitas partes do mundo, isso não será fácil - mas é absolutamente necessário.
Precisamos reimaginar nossa relação com a natureza. Por um longo tempo, a natureza foi robusta e resiliente. Por isso, os humanos assumiram que podem fazer qualquer coisa sem consequências. Devido ao aumento da população e à superpopulação, chegamos a um ponto que tudo que fazemos à natureza pode causar um impacto permanente.
A natureza nos dá muito apoio, e a única coisa que poderíamos dar em troca pelos benefícios é garantir que podemos protegê-la.
Lee Hannah é um cientista sênior em mudanças climáticas na Conservação Internacional. Kiley Price é redatora na Conservação Internacional. Tradução feita por Maria Alves, coordenadora de comunicação da CI-Brasil.