Um relatório da ONU divulgado na segunda-feira, 06 de maio, revela um cenário preocupante da natureza – e a culpa pelos danos é da ação dos seres humanos. Quase 1 milhão de espécies podem ser extintas; muitas áreas de cultivos estão sob ameaça e nossos oceanos estão sofrendo com sobrepesca.
Além disso, os efeitos das mudanças climáticas estão se agravando (e nós também somos a causa disso).
O novo livro, “Biodiversidade e Mudanças Climáticas: Transformando a Biosfera”, editado pelos renomados cientistas Lee Hannah da Conservation International e Thomas Lovejoy, membro sênior da Fundação das Nações Unidas (UN Foundation), analisa o rápido aquecimento global, as tempestades catastróficas e as secas que transformarão a vida tal como a conhecemos.
Nesta entrevista, Hannah discute a ciência por trás das descobertas publicadas em seu livro. Selecionadas a partir de pesquisas recentes de dezenas de cientistas importantes nos últimos 10 anos com cruzamento de informações sobre a vida selvagem e o clima – o autor apresenta como devemos agir para impedir um colapso climático completo.
CI: De acordo com a pesquisa publicada no seu livro, o relatório da ONU não deve ser uma surpresa. Qual é a sua opinião sobre ele?
Lee Hannah: Isso reforça o que já sabemos: precisamos conservar os lugares certos para um clima em mudança – e precisamos fazê-lo rapidamente. O tempo para a ação é realmente muito pequeno. As mudanças climáticas estão obrigando espécies a saírem dos seus habitats e se espalharem por todo o planeta, e a agricultura em constante expansão está destruindo os locais originais remanescentes, reduzindo suas oportunidades de migração das espécies.
CI: Qual a diferença deste livro para aquele que você e Tom escreveram há uma década?
LH: O primeiro livro realmente ajudou a despertar as pessoas para a realidade das mudanças climáticas e seus impactos para a natureza. Mas isso foi em 2005 – e muita coisa aconteceu desde então. As mudanças climáticas desencadearam um surto de besouros que mataram centenas de milhões de árvores no oeste dos EUA e no Canadá – e isso ainda está acontecendo. A maioria dos recifes de corais do mundo foi atingida pelos efeitos dessas mudanças, incluindo partes enormes da Grande Barreira de Corais, na Austrália.
O mundo acordou para um dos mais impactantes perigos das mudanças climáticas: a acidificação dos oceanos. E um acordo climático histórico foi firmado em Paris, em 2015.
As mudanças ao longo da última década foram tão drásticas que justificaram um livro totalmente novo e que faz uma pergunta aparentemente simples: “Qual é o efeito das mudanças climáticas na natureza?”
CI: E como você responde a uma pergunta dessa dimensão?
LH: Pedimos aos principais biólogos que identificassem as maiores implicações das mudanças climáticas para a natureza e depois estruturamos o livro em torno destas respostas. Recrutamos os principais especialistas em cada tema para escrever cada um dos 32 capítulos do livro, que começa com o que está acontecendo agora: branqueamento de corais, migração de espécies e epidemias de doenças e pragas. Parece bíblico, e realmente é – as mudanças climáticas estão reorganizando toda a criação antes que ela acabe!
Daquilo que já estamos vendo, mergulhamos fundo no que aconteceu no passado – das recentes eras glaciais às mudanças climáticas ocorridas centenas de milhões de anos atrás. O que aprendemos com essas rápidas mudanças climáticas no passado?
A partir daí, entramos no que pode acontecer no futuro e nos capítulos finais, o que podemos fazer sobre essas questões. A parte “o que podemos fazer” inclui, como administramos a natureza, por exemplo parques e oceanos, para minimizar os impactos das mudanças climáticas; quais políticas são necessárias para controlar as mudanças climáticas e como nós, cientistas, conservacionistas e biólogos, podemos nos comunicar melhor sobre os perigos das consequências dessas mudanças.
CI: E qual é a resposta?
LH: As mudanças climáticas já estão afetando a natureza hoje, e embora possamos fazer coisas para diminuir os efeitos, o que estamos fazendo agora não é suficiente.
Vamos dividir isso: primeiro, essa questão não é sobre o futuro – está acontecendo agora. Há uma quantidade fenomenal de mudanças que já estamos vendo na natureza devido às mudanças climáticas, desde besouros na América do Norte até sapos e répteis sendo exterminados em todo o mundo devido a doenças que se multiplicam quando o clima muda.
Em segundo lugar, há coisas que podemos fazer para “consertar” o que está acontecendo. Sabemos que as espécies se deslocam para habitats mais adequados à medida que o clima muda e que a migração resulta em ecossistemas inteiros sendo despedaçados e reconstruídos.
Esse colapso dos ecossistemas é parte da enorme reviravolta na natureza que já vemos revelar-se por causa das mudanças climáticas. As áreas protegidas ajudam a equilibrar muitos dos danos que as alterações climáticas podem causar como resultado dessas migrações, mas atualmente as áreas protegidas não estão nos lugares certos para evitar os efeitos das mudanças climáticas. Precisamos criar novas áreas protegidas, como parques nacionais, e iniciar novos esforços de conservação, como áreas protegidas que podem ser geridas pelas comunidades, em locais que serão mais atingidos pelos efeitos das mudanças climáticas. Isso significa que temos que antecipar para aonde as espécies estarão se mudando e estarmos prontos com os esforços de conservação já em vigor quando elas chegarem lá.
O terceiro e último ponto é que não importa o quanto façamos para minimizar os danos das mudanças climáticas – criando essas áreas protegidas nos lugares certos, por exemplo – se não fizermos algo realmente significativo para frear as mudanças climáticas, teremos consequências que nós eventualmente não poderemos controlar.
CI: OK, podemos minimizar os impactos das mudanças climáticas. Mas até que ponto?
LH: Uma boa maneira de visualizar isso é com um conceito conhecido como “escalator to extinction” (ao pé da letra seria “escada rolante para a extinção”), que se refere a espécies que se deslocam literalmente para altitudes mais elevadas – para encontrar um clima mais adequado para sua sobrevivência. Espécies que continuam subindo mais alto e acabam no topo da escada rolante (topo da montanha) ficam sem espaço e morrem. À medida em que as mudanças climáticas continuam, espécies após espécies subirão até se tornarem extintas.
Basicamente, sabemos como fazer áreas protegidas nos lugares certos para conservar espécies – nós apenas continuamos deslocando mais para cima à medida que as espécies migram por causa das mudanças climáticas. Mas, eventualmente, se elas alcançam o topo dessa montanha, e mesmo se toda a área estiver protegida, não há outro lugar para elas irem e elas ainda assim serão extintas.
Mesmo sabendo como proteger as espécies, isso não vai ter importância se as condições do planeta forem muito difíceis para elas sobreviverem. Só poderemos proteger nosso planeta se pararmos de contribuir para o aumento dos efeitos das mudanças climáticas e também trabalharmos para a proteção dos animais e dos biomas em que vivem. Precisamos tomar medidas drásticas para parar de agravar os efeitos das mudanças climáticas e minimizar os danos à natureza.
CI: Que tipo de ação drástica deve ser tomada? Quem deve ser responsável por tomar essa atitude?
LH: Precisamos transformar toda a matriz energética do planeta em fontes renováveis. Já foram adotadas algumas medidas positivas em muitos estados e cidades, mas isso não é suficiente. Não é uma tarefa pequena eliminar totalmente os combustíveis fósseis, mas é isso que precisa acontecer. Muitas pessoas acham que os biocombustíveis são uma solução, mas a dependência excessiva deles na verdade prejudicaria os mercados mundiais de alimentos e prejudicaria também a natureza. Os biocombustíveis são produzidos usando culturas, como o milho, que precisa de terra plana para crescer e ser colhido. Desmatar florestas para cultivar biocombustíveis na verdade prejudica mais a natureza do que a própria mudança climática.
Precisamos de uma transformação em escala planetária, mas temos que ter inteligência ao fazer isso. A energia solar, eólica e outras fontes renováveis são partes fundamentais do quebra-cabeças, assim como o combater o desmatamento. Proteger a natureza é uma parte fundamental da solução – só ela pode fornecer pelo menos 30% das ações que precisamos tomar para limitar o aquecimento global a um nível seguro.
É isso que estamos tentando fazer para ajudar as pessoas a perceberem com este livro, que proteger a natureza é vital para nossa sobrevivência.
Lee Hannah é cientista sênior de biologia das mudanças climáticas na Conservation International. Olivia DeSmit é escritora da Conservation International. Tradução: Thiago Camara e Priscila Steffen. Leia também em inglês.