Ainda pequenos, na escola, aprendemos sobre o ciclo da água. Na explicação mais simples, ocorre a precipitação da chuva, a água é consumida por diferentes seres e de diferentes formas, depois evapora, há a condensação, ou seja, mudança do estado gasoso para o líquido, e ela desce novamente. Desce, é consumida, evapora, condensa e desce novamente.
Apesar de parecer simples, o processo faz parte de uma complexa rede alimentada por ecossistemas -que dependem do clima, vegetação, impactos causados pelo homem, etc - que ajudam a manter a natureza e nosso planeta equilibrados, possibilitando a sua vida, dos seus amigos, familiares, cachorro, gato e, inclusive, a existência daquele feijão com arroz saboroso que você almoça todos os dias. Mas o que acontece se uma das peças dessa engrenagem falhar?
Imagina comigo....
Você vive nas margens de um riacho no meio da floresta amazônica, na cidade de Manaus. Na região, toda a vegetação que naturalmente existia ao redor daquela água foi derrubada durante o processo de ocupação e urbanização. Em determinado ano, na época de chuvas, o rio recebe uma quantidade de água muito maior do que o normal e transborda chegando até sua casa e causando prejuízos.
É claro que obras de saneamento são importantes e ajudam a minimizar esses problemas, mas existe uma solução mais barata e simples que pode ser tão eficaz quanto as obras, quando falamos de prevenção: devolver a vegetação original que foi retirada das margens do rio. Além de uma barreira natural para a água, essa solução que é baseada na forma que própria natureza já atua, ajuda a melhorar a qualidade da água, enriquece o solo, melhora o ar, ajuda a combater o aquecimento global, beneficia a vida de espécies animais e a sua, que agora vai ter uma floresta linda para olhar e passear bem perto de casa. Tudo isso a preço de banana, com baixo custo e altos benefícios.
© Pete Oxford/iLCP
“Soluções baseadas na natureza são boa parte do que a gente [Conservação Internacional] faz. Na natureza estão 30% das soluções para a recuperação dela mesma”, explica Bruno Coutinho, diretor de Gestão de Conhecimento da CI-Brasil.
Mas como é possível prever esses riscos e propor tais soluções?
É em horas como esta que a natureza e a ciência se unem. Medindo indicadores, entre outros, que analisam a qualidade e quantidade da água e biodiversidade; a capacidade que a bacia possui de fornecer serviços esperados pela comunidade, que vão do abastecimento aos aspectos culturais; e a ação dos órgãos, entidades, pessoas trabalhando para gerir aquela fonte de água e a disponibilidade de recursos para investimento, é possível avaliar de forma objetiva e concreta a saúde daquele ecossistema. Esta fórmula, chama de Índice de Saúde da Água (ISA), foi desenvolvida pela Conservação Internacional.
“O grande diferencial do ISA é reduzir as incertezas científicas e tornar a informação disponível para o processo de tomada de decisão. A CI coleta as informações de maneira sistematizada, e procura disponibilizá-las com uma apresentação simplificada, com notas, cores. Isso torna os dados acessíveis e aumenta a compreensão, então não somente os geógrafos, biólogos, técnicos, vão entender o que está ali. Qualquer pessoa sentada numa mesa de discussão sobre aquela bacia vai poder entender. Quando a informação é a mesma para diferentes atores na tomada de decisão, isso qualifica e agiliza o processo”, explica Bruno.
Como resultado da análise, o ISA indica onde devem ser feitos investimentos para melhorar a saúde do ecossistema. No Brasil, o método já foi aplicado na bacia do rio Guandu, no Rio de Janeiro, e está sendo implementado na bacia do rio Grande, no estado da Bahia. O diagnóstico é feito com a coleta de dados e análise dos cientistas da CI-Brasil, ou qualquer pesquisador ou entidade que tiver interesse já que a ferramenta é gratuita e pública. A aplicabilidade do diagnóstico para as soluções apontadas por ele dependerá sempre do interesse dos parceiros conectados a cada bacia.
Assim como no ISA, a natureza também só trabalha em conjunto
A natureza trabalha sempre conectada, em rede. Voltando ao nosso exemplo, a relação da floresta e água é tão forte ao ponto de que não podemos cogitar a existência de um sem o outro. Os impactos da ausência da floresta podem ser mais instantâneos, como o citado, mas podem chegar a afetar o clima no mundo inteiro.
“A floresta regula o clima e vice-versa, o clima regula a floresta. Quando o Carlos Nobre fala do ponto de não retorno da Amazônia, entre outras questões, é porque pode ser que ela chegue em um estado de degradação em que ela não consiga mais continuar o funcionamento do ciclo hidrológico. Ele vai passar a ser um ciclo mais tropical marcado, como é no Cerrado: uma estação seca e fria bem forte, e uma estação quente e chuvosa. Então a perda da floresta Amazônica pode resultar no não retorno dela justamente porque o controle do ciclo hidrológico foi completamente alterado. Não vai mais ter aquela água disponível para a função da regulação floresta-clima", explica Bruno.
É com vontade e esforço, usando dos avanços e métodos que cientistas já nos trouxeram e aproveitando as soluções baseadas na natureza, que vamos conseguir respostas aos problemas relacionados ao clima.
© Pete Oxford/iLCP
Inaê Brandão é coordenadora de comunicação da Conservação Internacional.